28.11.11

O último dia...


"Aquele era o seu último dia de vida, mas ele ainda não sabia disso"

Naquela manhã, sentiu vontade de dormir um pouco mais. Estava cansado, tinha-se deitado muito tarde e não havia dormido bem. Mas logo abandonou a ideia de ficar um pouco mais na cama e levantou-se, pensando nas muitas coisas que precisava fazer na empresa.
Lavou o rosto e fez a barba correndo, automaticamente. Não prestou atenção no rosto cansado e nem nas olheiras escuras, resultado de noites mal dormidas.

Engoliu o café e saiu resmungando baixinho um "bom dia", sem muita convicção. Desprezou os lábios da esposa que se ofereciam para um beijo de despedida. Não entendia porque é que ela se queixava tanto da ausência dele e vivia pedindo mais tempo para ficarem juntos. Ele estava conseguindo manter o elevado padrão de vida da família, não estava? Isso não bastava?
Entrou no carro e saiu. Pegou o telemóvel e ligou para a filha. Sorriu quando soube que o netinho havia dado os primeiros passos. Ficou sério quando a filha o lembrou de que há tempos ele não aparecia para ver o neto e convidou-o para almoçar.
Ele relutou bastante: sabia que iria gostar muito de estar com o neto. Mas não podia, naquele dia, sair da empresa. Quem sabe no próximo fim de semana?

Chegou à empresa e mal cumprimentou as pessoas. A agenda estava lotada e era muito importante começar logo a atender seus compromissos, pois tinha plena convicção de que pessoas de valor não desperdiçam o seu tempo com conversa fiada. Na hora do almoço, pediu à secretária para trazer um sanduíche e um refrigerante 'diet'. O colesterol estava alto, precisava fazer um check-up, mas isso ficaria para o mês seguinte. Começou a comer enquanto lia alguns papéis que usaria na reunião da tarde. Nem observou que tipo de lanche estava mastigando.

Enquanto relacionava os telefonemas que deveria dar, sentiu um pouco de tontura, a vista embaçou. Lembrou-se do médico advertindo-o alguns dias antes, quando tivera os mesmos sintomas, de que estava na hora de fazer um check-up. Mas logo concluiu que era um mal estar passageiro, que seria resolvido com um café forte, sem açúcar.
Terminado o "almoço", escovou os dentes e voltou ao trabalho, "a vida continua", pensou. Mais papéis para ler, mais decisões a tomar, mais compromissos a cumprir. Saiu para uma reunião já meio atrasado. Não esperou pelo elevador. Desceu as escadas pulando os degraus de dois em dois. Entrou no carro e quando ia engatar a marcha, sentiu de novo o mal estar e agora com uma dor forte no peito.

O ar começou a faltar... A dor foi aumentando... O carro desapareceu... Os outros carros também... Os pilares, as paredes, a porta, a claridade da rua, as luzes do tecto, tudo se foi sumindo diante dos seus olhos, ao mesmo tempo que surgiam cenas de um filme que ele conhecia bem. A esposa, o netinho, a filha e uma após outra, todas as pessoas de que mais gostava. Por que é que não tinha ido almoçar com a filha e o neto? O que é que a esposa tinha dito à porta de casa quando ele estava saindo hoje de manhã?

A dor no peito persistia, mas agora outra dor começava a perturbá-lo: a do arrependimento.
Ele não conseguia distinguir qual era a mais forte: a dor da coronária entúpida ou a da alma rasgando. Escutou o barulho de alguma coisa quebrando dentro do coração e dos olhos escorreram lágrimas silenciosas...
Queria viver, queria ter mais uma chance, queria voltar para casa e beijar a esposa, abraçar a filha, brincar com o neto...

Queria... Queria... Mas não havia mais tempo...

Roberto Shinyashiki, do livro O Sucesso é ser feliz


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